Coleção 8 . Setembro 2024

Ezequiele Panizzi & Daniel Ducci

Ensaios de Setembro, 2024
Ensaio #2 Ezequiele Panizzi
Tempo Vazio . Daniel Ducci

Ezequiele Panizzi

Ensaio #2 . Ezequiele Panizzi

Ensaio #2 nos convida a abrir espaço para respiros e percorrer lugares outros, lugares nenhum, algum lugar. Assim, um pouco fugidio mesmo. Segundo Ezequiele, a leitura mais precisa de seu trabalho surgiu em uma conversa informal, na qual um amigo comentou sobre a atmosfera onírica. Um pouco como se as cenas e lugares fotografados pertencessem ao mundo dos sonhos ou das imagens imaginadas. "Nunca parece que é aqui'', afirmou.

Com efeito, é justamente esse lugar algum que Ezequiele persegue e constroi no Ensaio #2. Uma cena de um filme. Uma cena à ser contemplada. Penso que das oito imagens que escolhemos para compor o ensaio a única fotografia fora da curva é a primeira. "O medidor de luz sobre parede azul clara" nos puxa para a materialidade da coisa. Mas, o curioso é que ao mesmo tempo escapa. Talvez pelas cores opacas ou por ser apresentada como parte de um conjunto. Ele acoa "a rocha sob o mar" e seu castelo fantástico e milhões de enredos e narrativas possíveis. Mas não é sobre isso. Ezequiele é sintética e não gosta de mediar ou dirigir muito nossa leitura de sua obra: "Ao não propor títulos, conceitos ou histórias que possam atravessar o encontro, deixo lugar para que o imaginário pessoal guie a experiência". Pois, segundo ela, é nesse "espaço - entre o observado e o observador - que a arte acontece".

Ezequiele Panizzi é artista visual e fotógrafa. Especializada em fotografia de arquitetura, atua profissionalmente há 13 anos entre o RS e SP. Desde pequena, atraída por estética em todas as suas formas — da música à arquitetura —, escolheu o design gráfico como base de estudos para suas diferentes linhas de criação. Em suas produções artísticas, transita entre a fotografia autoral, com foco em paisagens e uma pitada de urbanidades, colagem analógica, obras gráficas digitais e a escrita.

Daniel Ducci

Tempo Vazio . Daniel Ducci

Espaço e tempo são duas instâncias tensionadas na arte contemporaneidade. Muito tem se falado sobre a ausência da segunda e a incapacidade de apreensão da primeira. Já não percebemos e concebemos tempo e espaço do modo como os modernos o faziam. Em que nos aferramos para perceber as transformações de tais instâncias? Discussões acerca dos indícios entrópicos ou das marcações afetivas da passagem do tempo no espaço material orbitam entre o coletivo e o subjetivo. Uma marca de prego ou do quadro na parede. Um batente da porta cerrado e remendado. Isso foi (Barthes, 1980). Isso ou aquilo esteve ali, naquele espaço físico, com aquela disposição, na frente da câmera durante a fração de segundo do clique. Ou não, responderia alguém com as imagens geradas por "AI" em mente. A meu ver, o ensaio de Daniel Ducci toca aquilo que é próprio da técnica fotográfica e que a distingue das outras linguagens de representação ou registro da realidade, como o desenho ou a pintura. O índice, indício, o fotográfico (Dubois, 1994) com todas as suas camadas de contradições.

Na fotografia de arquitetura, campo de atuação de Daniel, tais questões adquirem novos contornos e tensões, ao passo que possuem lógica própria. “Eu fotografo sempre as casas assim que elas ficam prontas. Por mais que tenha decoração, as fotos são marcadas por grande vazio. As marcas da vida do lugar só vem depois, junto ao cotidiano, suas ocupações e objetos", afirmou. As marcações da vida do lugar. "Talvez soe um pouco abstrata a ideia, mas, eu penso muito sobre isso. O tempo do lugar. As memórias de outras épocas, outras pessoas”, explica o fotógrafo.

No espaço, a passagem do tempo se acumula e se esvazia - abrindo reflexões sobre a tênue fronteira entre o fictício e o documental em seu trabalho. Ainda que muitas das fotos do ensaio carreguem memórias pessoais, das casas em que morou, quando Daniel fala sobre memória, ele não necessariamente pensa sobre a sua própria memória ou das pessoas que estão vivendo ou viveram no lugar. São registros que extrapolam o subjetivo, explica, que nos convidam a refletir sobre hábitos, relações sociais e termos canônicos como gosto e estética. “Eu acho um capricho a rolha que segura o fluxo de água da pia... não é uma rolha entuchada. É muito bem feitinha... quem a produziu, cuidou na hora de colocar a rolha”.

Assim como em suas pesquisas pela cidade ele investigava as transformações, os detalhes o lado não comercial, em Tempo Vazio Daniel investiga o que ele denominou de elementos contraintuitivos da fotografia arquitetura, ou seja: os indícios da vida do lugar.

Nascido em Curitiba, Daniel Ducci vive e trabalha entre São Paulo e Belo Horizonte como fotógrafo de arquitetura. Área na qual atua desde de 2003, após a sua formatura como  bacharel em Fotografia pelo Centro Universitário Senac (2002) e a atuação como assistente de Nelson Kon. Além de ensaios para revistas e arquitetos, Daniel também desenvolve uma pesquisa fotográfica autoral sobre: a cidade, seus espaços, ocupações e transformações e as especificidades da própria linguagem fotográfica, suas possibilidades, experimentação e construções de discursos, assuntos, não por acaso, do ensaio Tempo Vazio.